E a homenagem merecida aos construtores da piscina do Lué. Ali, debaixo daquela mangueira que recolhia a água numa nascente da colina em frente do quartel, se é que se pode chamar quartel, aquele casebre... Lembram-se como era à noite? Tinhamos de acender umas "mechas" colocadas em latas, o que dava alguma claridade enquanto acesas. Ainda hoje me pergunto sobre a razão de nunca termos sido ali atacados. Eu diria que foi porque "nunca abandalhamos" e nos mantivemos sempre alerta, desde o primeiro dia até ao último. Custou um pouco? Sim custou. Mas hoje agradecemos tê-lo feito.
6 comentários:
Caros companheiros
Permitam-me que me apresente. Sou Fernando de Sousa Ribeiro, fui alferes miliciano na Companhia de Caçadores 3535, do Batalhão de Caçadores 3880, e estive aquartelado em Zemba, entre junho de 1972 e maio de 1973. A seguir, passei o resto da minha comissão na fronteira norte de Angola, nas proximidades de Maquela do Zombo.
Enquanto esteve em Zemba, a minha companhia foi vizinha (embora não houvesse comunicação direta) das companhias de Nambuangongo (a oeste), Quixico (a noroeste) e Quipedro (a norte). O quartel de Santa Eulália, onde se encontrava o brigadeiro comandante militar dos Dembos, ficava precisamente em cima da "fronteira" que separava Zemba de Nambuangongo.
No decurso de uma operação, das muitas que fiz em Zemba, aproximei-me de um destacamento situado entre Quixico e Quipedro, o destacamento do Lué. Isso aconteceu por volta de fevereiro de 1973. Vi o destacamento, claramente visto, lá de cima, do alto de um dos vários montes sobranceiros pelo lado do sul, precisamente de um local onde a UPA/FNLA espiava tudo o que se passava no destacamento. Não desci ao Lué, porque na operação não estava prevista uma tal descida. O meu objetivo era atacar uma base da guerrilha que ficava muitíssimo perto daquele local, a qual constituía um perigo enorme para o pessoal aquartelado no Lué, assim como para a picada entre Quixico e Quipedro em geral. A operação foi um êxito, a base foi destruída, espero que a ameaça tenha sido afastada, mas não era sobre isso que eu agora queria falar.
A minha dúvida, que muito gostaria de ver esclarecida, apesar de ser apenas a satisfação de uma curiosidade, é a seguinte: a que companhia pertenciam os militares que vi lá em baixo no Lué? Pertenciam à C.Caç. 3482 ou à companhia de Quipedro, que não sei se era a C.Caç. 104/72 ou a 104/73? A operação foi em fevereiro de 1973.
Peço muitas desculpas pela minha insólita intromissão e desejo a todos os antigos militares da C.Caç. 3482 as maiores felicidades.
Fernando de Sousa Ribeiro,
ex alferes miliciano da C.Caç. 3535 do B.Caç. 3880
Nessa data eramos nós que estávamos no Quixico e no destacamento do Lué, ou seja a C. Caç 3482. Eu estive lá, no mínimo, por duas vezes. Foi pena não terem aparecido. Deveria haver lá uma cuca ou uma nocal fresquinha (se o frigorífico estivesse a funcionar)para partilharmos. Também fiz, provavelmente na mesma zona em que fizeste a tua operação, uma operação a que aqui no Blog chamo de operação Lué. Conseguimos entrar no acampamento ainda de noite, sem sermos detetados e o que se seguiu foi trágico. Mas não havia alternativa. Nós não tivemos baixas mas as deles foram "incontáveis". Também conto a história num livro que escrevi e que foi publicado pela Chiado Editora. O LIvro chama-se Amor e Guerra:de Coimbra a Nambuangongo. Penso que gostarás de ler. Podes encomendar na net no site da Chiado Editora ou encomendar numa Estação de Correios. Hoje tenho pena de não ter contado tudo o que aconteceu nessa operação, mas tudo o que conto aconteceu exatamente assim.
Um abraço "Camarada".
José Ferreira Abrantes
Muito obrigado, companheiro, pela tua resposta.
Eu não sabia da existência de um destacamento no Lué. Nos mapas que usávamos nas operações não vinha nada indicado naquele local. Assim que vi o Lué lá do alto do monte, pensei que fosse Quipedro, mas logo conclui que não podia ser, porque era pequeno demais para ser o quartel de uma companhia. Nunca me ocorreu que pudesse ser um destacamento. Nos Dembos, um destacamento?! Inacreditável! Destacamentos havia noutros lados, eu próprio comandei dois na fronteira norte, mas nos Dembos era arriscado demais. Mas pelos vistos havia. Para o regime de então, a malta não passava de carne para canhão. Mais um jovem morto no Lué, menos um jovem morto no Lué, para o regime era igual ao litro.
Eu teria muito gosto em descer ao Lué, quanto mais não fosse para saber o que é que aquilo era, se não estivesse a meio de uma operação e quase, quase a atingir o objetivo. Depois de este ter sido atingido, voltámos para trás e a descida ao Lué ficou para o dia de São Nunca à tarde.
Quanto ao teu livro, fui espreitá-lo ao site da Wook. Depois de ter dado uma olhada às suas primeiras 38 páginas, que a Wook disponibiliza, resolvi comprá-lo. Acabei agora mesmo de fazer a encomenda.
Um abraço
Fernando de Sousa Ribeiro,
ex alferes miliciano da C.Caç. 3535 do B.Caç. 3880
Obrigado pela compra do Livro. É uma pequena ajuda para atingir os 3 mil exemplares de vendas que possibilitam a tradução para Inglês e Espanhol. Tenho pensado escrever uma espécie de continuação que penso chamar "Os filhos da guerra" e que faz o cruzamemento dos filhos que os nossos militares por lá deixaram e as crianças que "recuperavamos" em operações. Obrigará a alguma pesquisa em Angola porque apanharia a guerra civil e Angola depois da "nossa guerra". Tenho algum material porque voltei a Angola várias vezes, já em 2000. Quando leres o Livro, diz-me se se justifica ir por aí. É que se não houver pessoas que gostem deste género de leitura, não vale a pena insistir.
Quanto ao Lué, admito que não tenha sido o destacamento o que viste. O destacamento estava praticamente num "buraco" cercado de montes. Terias de estar muito próximo para o veres, até porque em Fevereiro, penso que ainda não havia luz elétrica. A iluminação do perimetro era feita com latas de gasóleo com uma mecha que acendiamos ao anoitecer e que umas horas depois já estavam apagadas. Acontece que para além da proteção da ponte junto do quartel, também dávamos proteção às instalações da fazenda de café que existia lá, tendo nós uma secção em permanência nessas instalações, que se encontravam situadas numa colina. Admito que tenham sido as luzes da fazenda que tenhas visto.
Existe uma pessoa exatamente com o teu nome no Facebook. Ainda pensei que fosses tu, mas não. É outra pessoa com o mesmo nome. Uma vez mais obrigado pela compra do Livro e um abraço.
José F. Abrantes
Caro José Ferreira Abrantes, eu repliquei à tua resposta, mas não sei se ela chegou aí, porque não a encontro. Vou tentar repeti-la, com alguma atualização.
Só agora estou a ler o teu livro, pois estivera antes a ler um calhamaço sobre a História da Europa. Presentemente estou a ler o capítulo referente ao teu embarque para Angola no "Vera Cruz". Embora eu já tenha ido para Angola de avião, posso dizer-te que eu próprio me revejo em grande parte do que escreves. O sentimento que eu levava era semelhante ao teu, e outra coisa não seria de esperar.
Quanto ao Lué, eu estive a fazer pesquisas na Internet e concluí que realmente não foi o destacamento militar que vi do cimo do monte, mas sim a fazenda. Nem vi o destacamento, cuja existência eu desconhecia, nem vi, por maioria de razão, o próprio rio Lué que, esse sim, eu sabia que passava lá em baixo. O rio era mesmo a linha de "fronteira" norte da Zona de Ação da minha companhia, isto é, de Zemba. Aquela questão lá em cima era, portanto, da conta da minha companhia e não da tua, apesar da proximidade do Lué. Era a nós, e só a nós, que competia resolver aquele berbicacho.
Entre as várias fotografias do Lué que encontrei na Internet, há uma que já só está no Arquivo, a qual me parece particularmente reveladora. Assinalei com uma seta o local muito provável da clareira de onde o IN espiava a Fazenda Lué. Garanto-te que lá de cima se via TUDO e se ouvia TUDO o que se passava na fazenda. Era impressionante. Podes ver a fotografia de que falo, com a seta que eu mesmo acrescentei, nesta página:
https://tinyurl.com/DestacamentoLue.
A escassíssimos cem ou duzentos metros mais para trás da clareira ficava a base do IN. Pode-se dizer com toda a propriedade que o Lué tinha os "turras" debruçados sobre ele.
Por razões que não quero escalpelizar, senão ainda acabo por chamar cobarde a uma pessoa, nós não passámos lá por cima de noite ou de madrugada, como estava previsto no plano da operação. Só passámos por volta do meio-dia, se não me falha a memória. Mesmo assim, decidi continuar até ao objetivo, que estava mesmo ali ao pé. Quando chegámos, o objetivo estava vazio. O IN tinha vindo a seguir a nossa progressão desde o início da operação e evacuou a base e retirou dela tudo o que nos pudesse interessar, isto é, retirou armas, munições, documentos e qualquer outro material que pudesse ter valor para nós. Deste ponto de vista, a operação foi um completo fracasso, pois viemos de mãos a abanar. O que o IN tinha lá deixado eram apenas objetos sem valor nem interesse, incluindo uma máquina de escrever estragada. No regresso da operação caímos numa emboscada, já muitos quilómetros a sul do Lué, mas não sofremos baixas. Os guerrilheiros, sim, é que sofreram pelo menos um ferido.
Resta acrescentar que o que o IN tinha lá em cima do monte, quase debruçado sobre o Lué, não era um acampamento. Era mesmo um quartel de guerrilheiros, onde não havia civis. E não era um quartel qualquer; era uma base central, sede da Companhia n.º 5 do ELNA (Exército de Libertação Nacional de Angola), o braço armado da FNLA, comandada por um indivíduo chamado João Damião Baptista de Carvalho, a quem o povo chamava "homem das barbas". A base era grande, muito limpa e organizada, constituída por cubatas grandes e muito sólidas, dispostas de forma regular em torno de um espaço retangular que se poderia chamar parada, apesar de ter algumas árvores de grande porte pelo meio, para escondê-la da vista dos aviões. Quase se poderia dizer que era um quartel idêntico aos nossos, se não estivesse escondido debaixo das árvores e se não fosse composto por cubatas. Causava arrepios saber o perigo que o pessoal da Fazenda Lué e do destacamento corria, ao estar ali com o inimigo tão perto.
Eu tenho, de facto, uma conta no Facebook, mas ela esteve desativada durante uns tempos. Por isso não a encontraste. Agora já está ativa outra vez.
Um abraço
Fernando de Sousa Ribeiro
Boa Noite Amigo.
Desculpa, mas estive uns dias sem vir ao blog pelo que é natural que não tenhas visto a tua msg. Aquilo precisa de autorização para publicar (não sei por que razão, mas devemos ter incluído esse princípio quando o criamos). Só hoje a dei.
Sim a fotografia que publicaste é o Destacamento do Lué. No blog tenho várias mas não com a visão tão completa.
Quanto ao Zacarias,o nome não me é estranho, mas não consigo assegurar que fosse esse o nome do guia. No Livro chamo-lhe Geremias, mas esse era o nome do comandante dos GE's que nos acompanharam. Lembro-me que durante o ataque ao aquartelamento deles, numa das "fases quentes". Chamei-o pelo nome. Ficou zangadíssimo comigo. Não deveria ter dito o nome real... Também "me chamou filho da puta", porque quando da aproximação ao aquatelamento deles, tivemos de passar um riacho sobre o qual estava uma árvore que funcionava como ponte. Eu que nunca gostei muito de "equilibrimo" (detestava o pórtico em Lamego)caí da árvore a meio do percurso, fazendo um estardalhaço incrível. A reação do Geremias foi gritar "filho da puta, não faz barulho". Claro que não sabia que tinha sido eu, até porque tinhamos um relacionamento bom. Bem, não conto isto no livro. Achei que não o devia fazer, mas tudo o resto foi exatamente como conto.
Um abraço.
JA
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