quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Loge - Segunda operação


No primeiro mês de estadia no destacamento do Loge, foi decidido que o 1º GC, ao qual se juntaria o 2º GC, deveriam ir fazer uma operação numa região que se sabia ser de "infiltração" de guerrilheiros armados, situada entre o rio Loge e uma picada que ligava a zona, à estrada que ia de Freitas Mornas até Ambrizete, passando pelo rio Sembo.

O 1º GC já "avisado" devido a uma operação que havia feito antes, tratou de levar a água necessária a uma operação que durava três noites. O Alferes Tinoco, comandante do 2º Grupo, mais preocupado com as questões operacionais, fez com que o seu pessoal levasse todo o material de guerra necessário a um confronto com o IN, sacrificando as necessidades de água. Assim a cada militar foi permitido levar um só cantil de água.

Acontece que essa mesma água se esgotou antes de findar o primeiro dia de operação. Instado pelo Alferes comandante do 2º Grupo, lá olhamos para o mapa e concluímos que o rio Loge ficaria o máximo a 5/6 Km do local onde nos encontravamos e decidimos que, na madrugada do dia seguinte, um Grupo constituído por pessoal do 1º e 2 º Grupos, iriam abastecer-se de água ao rio. Aquilo que pensavamos ser um pequeno passeio transformou-se num verdadeiro martírio... encontramos uma linha de água e , muito naturalmente, pensamos que iria dar ao rio. Depois de várias horas de caminho e já sem água, chegamos a um local que antes deveria ter sido uma lagoa cheia de água bebível, mas que na altura não era mais do que lama ressequida pelo sol abrasador. Subimos a uma colina mas sinais do rio nem vê-los. O guia que nos acompanhou na operação, tirou-nos todas as esperanças. Não se perspectivando que dessemos com o rio, no meio daquelas florestas de espinheiros, decidimos regressar ao ponto de partida. Nas cavidades das rochas, encontrava-se por vezes restos de um liquido amarelado, que tentei beber mas não consegui por se encontrar perfeitamente "putrefacto". Lembro-me de tambem ter disparado para umas aves com o objectivo de obter qualquer líquido que aliviasse a nossa sede mas não consegui matar fosse o que fosse.

Tentamos tudo o que haviamos aprendido durante a recruta, desde "chupar" seixos, até escavar o leito da tal linha de água. Também um xarope que o Cabo Enfermeiro Pereira levava juntamente com os restantes medicamentos, foi distribuido por todos, uma colher para cada um. Não nos parecendo haver outra solução, os mais resistentes nos quais, eu e o furriel Almeida nos incluíamos, decidimos partir em busca dos restantes camaradas, que entretanto aguardavam a nossa chegada com a tal água do rio de que tinhamos ido à procura... O Comandante do 2º Grupo ficou com os restantes.

Atingimos um tal estado de esgotamento que depois de cem metros a caminhar, nos deixavamos cair no capim para descansar e ganhar forças para fazer mais uns metros.... O Cabo Almeida, que durante a operação teve um comportamento exemplar, já perto da noite, perguntou-me em que sentido deveríamos caminhar. Lá lhe indiquei o sentido do pôr do sol e continuamos a nossa penosa caminhada. Lembro-me, que já era noite, quando o Almeida perfeitamente eufórico me gritou: "meu Alferes", chegamos à picada. O ânimo renasceu e lá continuamos agora em marcha mais acelerada, lembrando-me eu da cerveja que tinha trazido comigo, mas que havia deixado junto do outro grupo, e que me iria saber melhor do que qualquer outra bebida que já tivesse bebido.

O Grupo que ficou a aguardar, resolveu pernoitar na picada em que nós caminhavamos, sendo que que numa das extremidades se encontrava o Fernandes de vigia. Quando sentiu a nossa presença, julgando tratar-se de qualquer Grupo Inimigo ainda pensou em abrir fogo. Felizmente não o fez e perguntou primeiro "quem vem lá"? Foi uma alegria imensa para todos.

Infelizmente a tal dita cerveja que eu havia deixado, já tinha sido utilizada pelo Furriel Silva para lhe ajudar a mitigar a sede, pelo que passei a noite sem qualquer tipo de bebida... só sonhava com as lagoas que circundavam o Loge e cuja água eu julgava ser bebível, jurando que me lançaria nela logo que lá chegasse.

Entretanto o pessoal que havia ficado no destamento, e que entretanto já sabia da situação, logo de madrugada chegou ao local onde passamos a noite. Imediatamente se constituíu um Grupo para ir procurar os camaradas que haviam ficado para trás. O Cabo Almeida, apesar do seu estado de esgotamento, ofereceu-se para servir de guia. Umas horas depois lá deram com eles. Haviam tentado beber urina e estavam num estado de completo esgotamento.

Esta terá sido a operação que fiz em Angola em que o terei atingido os limites do sofrimento físico. A lição ficou para todos. Naquelas paragens, a água nunca era demais e justificava o sofrimento adicional de um peso de 2 ou 3 quilos mais a pesar no saco de combate.

Loge - primeira operação


Chegados a Ambrizete, o 1º GC foi destacado para o Loge. Tratava-se de um lugar paradisíaco. Instalações óptimas, boa companhia por parte dos fazendeiros e restantes trabalhadores....
Até que chegou o dia da primeira operação. Deveríamos ir patrulhar a zona junto ao mar.
Autênticos maçaricos, preparamos a operação ao milimitro. Até a MG levamos, para não falar na Bazuca e no morteiro 60. O coitado do Moreira, que mais tarde se veio a transformar num cozinheiro do que havia de melhor, é que não deve ter gostado muito da ideia. Para além do "saco de combate" com tudo o que necessitaria para uma operação de três dias, ainda teve de carregar a tal dita MG, que nunca usamos em combate e também nunca mais nos acompanhou em operações.
Levavamos tudo, só não levamos a água suficiente para três dias de operação, pelo que ao fim do primeiro dia, já quase ninguém tinha água.
A preocupação inicial não foi muita... sabiamos que o rio Loge desaguava no mar e não seria difícil chegar até ele. Assim, quando a necessidade de água foi mais premente, lá nos pusemos a caminho da foz do Loge onde pensavamos encontrar água pura e cristalina. Cada vez com mais sede, lá chegamos à foz do rio. Acontece é que a água que esperavamos que fosse bebível era intragável. As marés faziam com que a água fosse tão salgada como a água do mar. Lá tivemos de aguentar até ao fim da operação, com um sofrimento enorme, com a água que tinhamos levado e que partilhamos entre todos, para que que fosse possível aguentar até ao dia da recolha.
Descobrimos que na foz do Loge havia crocodilos aos montes, que se lançavam ao rio logo que nos pressentiam.
Lembro-me de pernoitarmos, ou antes passamos umas horas da primeira noite, num planalto com imensas palmeiras. Um lugar que parecia óptimo para passar a noite, veio a provar ser perfeitamente impossível: Dos caules das palmeiras saíam "enxames" de mosquitos que nos atacavam implacavelmente. A primeira reação foi a de nos taparmos completamente com os "ponchos". Mas logo se seguida descobríamos que era impraticável... ou os mosquitos conseguiam entrar, e o seu zumbido fazia-nos quase enlouquecer ou o calor era insuportável. Ao fim de umas horas de sofrimento, decidimos por unanimidade ir dormir junto ao mar, mesmo sabendo que se houvesse um ataque, não tinhamos fuga possível. O Moreira lá instalou a MG virada para os morros mais próximos e lá conseguimos dormir um pouco apesar do barulho das ondas mesmo alí tão perto...
Duas lições: Armas pesadas de nada valiam naquele tipo de operações e a água era o bém mais importante naquela zona onde, para além da que levavamos do quartel, nada mais havia que fosse bebível. Lembro-me que o Grabulho, o nosso rádio telegrafista, comprou um garrafão de plástico de 5 litros que nunca mais deixou de levar consigo, sempre que íamos para operações. Eu por mim passei a levar uma cerveja por cada dia de operação... alguém imagina o sabor maravilhoso de uma cerveja logo de manhã muito fresquinha, arrefecida pelas noites frias de "cacimbo"?


domingo, 2 de agosto de 2009

Micula


Micula, nome mítico de uma região na zona dos Dembos, presumo que para Norte de Quipedro. Digo presumo porque na operação que ali fizemos fomos helitranportados e, nestas condições, perdemos um pouco a noção da localização geográfica. E como também já passaram uns anos, as recordações já são um pouco mais ténues.... Mítico porque se tratava de uma região onde se encontravam inúmeros acampamentos de população não controlada e bastantes guerrelheiros que se sabia estarem bem armados.
Os Pumas chegaram ao Quixico pela madrugada. A Operação seria levada a cabo pelos 4 Grupos de Combate da C. Caç. 3482, sendo que se constituiriam dois grupos, um formado pelo 1º e 3º Grupos e o outro pelo 2º e pelo 4º que actuariam em zonas próximas, mas separadamente.
Era a primeira operação que faziamos transportados por helicóptero e não tinhamos sido devidamente avisados das precauções a tomar. Estavamos, por isso, na pista do Quixico quando os Puma chegaram. Para além da burulho que faziam levantaram uma poeira enorme que fez com que a maioria das G3 ficassem inoperacionais... lição para futuras operações semelhantes, ou deveríamos aguardar mais afastados da pista ou deveríamos proteger as armas do pó... resultado: quando chegamos ao local da operação, o primeiro cuidado foi desmontar e limpar as G3.
As instruções eram claras..., assim que chegassemos ao local, deveríamos montar emboscadas em lugares pré-estabelecidos. A aviação faria o resto.
Lembro-me que quando saltei do Puma, a cerca de um ou dois metros de altura, as alças do saco de combate rebentaram. Foi uma preocupação adicional. Levavamos mantimentos para vários dias e o saco era bastante pesado. Lá consegui arrastá-lo para uma zona protegida e lá improvisei uma solução que terá passado por atar as alças e dessa forma conseguir transportar o saco às costas mais ou menos facilmente.
Guardo ainda hoje na minha memória o barulho dos disparos do helicanhão, em voos rasantes sobre as copas das árvores, disparando de forma potente e cadenciada as balas de estilhaços. Era assustador mesmo para nós, que sabiamos não ser os visados.
A técnica nestas situações, era a de haver uma aeronave que voando mais alto, dava instruções ao helicanhão sobre a localização dos "alvos".
Vou contar uma cena que reflecte o pavor que essas populações tinham da nossa avição:No Quixico tinhamos recuperados que rapidamente se integraram no seio dos militares. Um dia, enquanto jogavamos futebol, de cujas equipas os recuperados faziam parte de forma entusiástica, quase como se jogar futebol fosse a melhor coisa do mundo, fomos sobrevoados penso que por uma DO. Os recuperados em causa, largaram o jogo e foram refugiar-se debaixo das escadas que levavam à messe de Sargentos e só de lá sairam quando tiveram a certeza de que já não estavam no mato e que não havia perigo....
De entre os resultados da operação refiro a recuperação de um casal de idosos, cujo aspecto andrajoso, revelando as dificuldades com que viviam e cuja fotografia hei-de publicar um dia quando a encontrar. Tiveram uma sorte danada, já que as rajadas disparadas pelo Lourenço quando deu com eles "de caras" e por certo tão assustado quanto eles, quase que cortaram cerce o caule de uma palmeira próxima, mas deixaram ileso o dito casal, que, foi depois também transportado por heli para Nambuangongo para ser interrogado.