segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

NATAL


Parece que foi ontem que o nosso blog deu os primeiros passos e já lá vai mais um ano...
De facto o tempo passa rápido, talvez excessivamente rápido para que possamos ter visto satisfazer os mais legítimos anseios de muitos dos ex-combatentes nas ex-colónias, que no seu dia a dia, continuam a sofrer no corpo e na alma, as consequências de uma guerra que todos nós sabemos ter deixado marcas, certamente de forma mais marcada nuns do que noutros...
Vamos esperar que 2010 traga consigo a melhoria da situação económica do país e que dessa forma, os nossos "governantes encontrem espaço e vontade" para resolverem as necessidades mais prementes daqueles nossos "camaradas de armas" que mais dificuldades passam.
Vamos acreditar que o NATAL que agora chega, lhes traga ânimo e a esperança de melhores dias.
Para todos nós e os nossos familiares e amigos, os votos de um Santo Natal e que 2010 permita a realização dos nossos projectos mais ambicionados.
Um outro desejo.... que haja mais amigos a colaborarem para que o nosso blog se mantenha vivo. Basta que nos enviem fotografias que certamente têm convosco. Nós prometemos devolvê-las, depois de as inserir no blog... claro.
Um abraço.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Chiede - O quartel






Fomos para o Chiede numa altura em que se começou a falar que a guerrilha poderia "eclodir" de um momento para o outro no Sul de Angola. Não havia ainda instalações definitivas. Meia dúzia de pre-fabricados e umas tendas de lona, quentíssimas durante o dia e geladas durante a noite. Casas de banho não havia. Cavavamos umas latrinas e era assim que faziamos as nossas necessidades.
Quem se lembra deste velhinho (já me não lembro do nome...) que nós alimentavamos e que passava os seus dias em redor do quartel?
A "messe" de oficiais e de Sargentos era uma palhota com duas ou três mesas onde tomavamos as refeiçõs e obviamente fazíamos as nossas partidinhas de bridge e de xadrez.
O primeiro cabo Correia até aprendeu a cavalgar, à falta de cavalo num burro que existia por lá...
E claro, o campo de futebol não podia faltar.....

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Regresso a Luanda



Foi assim que regressamos a Luanda, para por fim voltarmos à "Terra Mãe". Cada grupo de combate tinha direito a uma camioneta destas e lá vinhamos mais ou menos "amontoados" quase como de gado se tratasse. Felizes dos que tinham lugar na cabine do condutor. Como a antiguidade era um posto, na cabine só coubemos eu próprio e os furrieis Silva e Almeida. O Furriel Santos, o mais "novo" dos três, teve de vir na caixa aberta da camioneta. Lembro-me que dormimos em Nova Lisboa. No meu caso específico, debaixo da viatura. Mas dormir no chão já nós estavamos mais do que habituados...
Lembro-me que o furriel Santos chegou a Luanda com os lábios todos "gretados" fruto da aragem fria que apanhou durante os mais de mil Km que tivemos de fazer durante a viagem.
Na segunda fotografia reconhecem-se o Telo e o Ávila dois açoreanos leais e amigos como a generalidade dos açoreanos que integravam o 1º Grupo o eram e, óptimos militares...

Três amigos


Muitas amizades se fizeram na guerra algumas das quais ainda perduram. É o caso destes três oficiais da C. Caç. 3482 em Namacunde, que ainda hoje continuam amigos. Uma das poucas coisas boas que a guerra nos propiciou....

Nativos com trajes tradicionais



Nos dias festivos, os nativos no Sul de Angola, pintavam o corpo com uma qualquer tinta vermelha e vestiam igualmente trajes de cor tambem avermelhada. Nestas fotografias podemos apreciar esse vestuário e o arco e flechas que normalmente traziam consigo e que utilizavam na caça.
Neste dia, um dos nativos ofereceu-me um arco e várias flechas. O arco ainda o guardo e mantem-se operacional, as flechas é que foram enferrujando e acabaram por desaparecer...

Tempestades Tropicais




Eram famosas as tempestades tropicais que por vezes se abatiam sobre nós inundando tudo. Mas quantos banhos maravilhosos tomamos debaixo daquelas chuvadas intensas....
Quem por vezes se aventurava pelas picadas naquela zona praticamente inexistentes, o mais certo é que ficasse atascado em qualquer charco que se formavam por todos os lados.
Numa destas fotografias pode ver-se como ficava a zona do quartel onde parqueavamos as viaturas quando assim chuvia. Na outra podemos ver uma das imensas vezes em que fomos chamados para "desatascar" um qualquer imprudente que se resolveu meter-se ao caminho pelas matas do Chiede...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Rita


Conheci a Rita em Ambrizete. Esta fotografia foi tirada na Mussera com o Rita a apresentar-me a autorização de "circulação". Por um lado a dar-me a conhecer a autorização que lhe permitia deslocar-se nas nossas viaturas e nas colunas que organizavamos, mas sempre de pé atrás desconfiada, não fossem as nossas intenções menos sérias. Nesta fotografia nota-se claramente que estava pronta para dar uma corridinha se isso fosse necessário. Estava, no entanto, sempre disponível para uma qualquer conversa mais ou menos brejeira, como quando me disse que se devia fazer sexo com homens velhos da Senzala "porque eles tambem precisavam....".
Foi uma das negras mais lindas que conheci em Angola, mais linda mas também mais "esquiva"....
Lembro-me que um dia, na Musserra", o furriel Soares conseguiu que ela entrasse no meu quarto fechando de seguida a porta à chave. Lá ficamos os dois durante cerca de meia hora. Ela receosa e pedindo que a deixasse sair e eu portando-me como um cavalheiro. Saíu sem que lhe tocasse... soube depois que havia subido uns pontos na sua consideração...

G3 e Walter


Foram estas as armas que durante os cerca de 28 messes de comissão em Angola me acompanharam: A G3, que por acaso era extremamente certeira, a walter e o cinturão com os quatro carregadores (quando iamos em operações cada um de nós levava cerca de cem balas)as granadas ofensivas e o dilagarma.
É impossível, a alguém que não fez a guerra colonial, imaginar a segurança que estas armas nos davam "na mata". Faziam parte da nossa vida diária e acompnhavam-nos sempre. Sem elas eram como se andassemos despidos. Com elas sentiamo-nos como uma "espécie" de "super heróis" capazes de afrontar todos os perigos.
Penso que a G3 ainda foi recebida na metrópole e depois acompanhou-nos até ao dia do regresso.
Um episódio que revela a fiabilidade das G3 aconteceu ainda em Lamego. Depois de tirar a curso de Operações Especiais, vulgo "Ranger", fiquei como instructor de tiro do curso que nos seguiu em Lamego e que terá sido o do 3º curso de 1971. Acontece que estava na "carreira de tiro" a dar mais uma lição de tiro, quando correndo chegou perto de nós um dos cabos que prestava serviço no quartel, na época sedeado em Penude. Ofegante gritou para mim "meu Aspirante" numa das àrvores junto do quartel está "um pássaro enorme". Sim, então e depois? retorqui eu. "Meu Aspirante" vá lá matá-lo respondeu o Cabo. Depois de olhar para ele, avaliando se não estaria a ser gozado, pedi uma G3 a um dos formandos que estava a acertar razoavelmente no alvo e lá fui eu em direcção ao quartel. De facto numa das árvores, bastante altas que na altura circundavam as casernas, lá estava um pombo bravo de dimensões muito apreciáveis. Com quase toda a Companhia a observar, incluindo o Capitão "Comando" Reis Moura, digo eu com imensa curiosidade e com a esperança de ver o "Oficial de Tiro" a passar por uma situação menos agradável, lá apontei a G3, à semelhança do que fazia na Beira Alta quando caçava com a pressão de ar e disparei os dois tiros rápidos da ordem. O pombo bravo apanhado em cheio caíu redondo na parada. Senti que nessa hora, "virei" para aqueles futuros Oficiais e Sargentos "Rangeres" uma espécie de ídolo.
O Pombo serviu de jantar para o Oficial que naquele dia etava de serviço e que no dia seguinte se "queixou" de que o pombo estava bom mas um pouco duro... pudera, a ajuízar pelo tamanho devia ter alguns anos de idade...para mim ficou para sempre a certeza de que a G3 estaria sempre ali para demonstrar a sua eficácia, como por diversas vezes o veio a demonstar em situações menos agradáveis do que a que acabo de descrever.
Já em Angola, quando estavamos no Loge, recebi uma lição que não mais esqueci durante a presença em Angola. Numa qualquer sessão de caça, descobri que a "minha eficiente G3" não dava um tiro que não encravasse de seguida. Teria sido catastrófico se isso tem acontecido numa qualquer cena de guerra. Acontece que por vezes esqueciamo-nos de as limpar.... isso terá sido a causa de inúmeras situações desagradáveis para muitos outros camaradas durante a guerra.
A partir desse dia passou a haver, todas as semanas, uma sessão de limpeza das armas, sendo que isso passou a ser feito, sempre, depois de qualquer coluna em que o pó das picadas nos deixava irreconhecíveis...

Chiede - Kimbo




Na zona do Chiede os povoados nativos eram chamados de Kimbos. Normalmente eram constituídos por várias palhotas circulares, que eram circundadas por ramos de arvores que constituiam uma espécie de paliçada que era suposto proteger dos animais selvagens, que nunca vi, mas que se dizia existirem na região.
Nos arredores dos kimbos cultivavam uma espécie de "painço" que depois de fermentado produzia uma bebida alcoólica chamada "belunga". Cheguei a provar mas sinceramente não fiquei fã.
Tambem apanhavam em determinadas árvores, lagartas de um tamanho considerável, que depois de secas ao sol constituiam, diziam, um manjar dilicioso. Um dos Alferes da Companhia não gostando que a sua "lavadeira" usasse tal insecto na sua dieta alimentar, bem tentou dissuadi-la disso, chegando mesmo a comprar periodicamente carne no talho de Pereira d'Eça, para a que a dita lavadeira delas abdicasse. Tanto quanto sei não conseguiu... mas tambem me não lembro se ele abdicou da lavadeira....
Quando recentemente me desloqueia Angola, fomos almoçar a um restaurante de luxo (pelo menos era muito caro) na baixa de Luanda perto dos Correios. Não é que um dos aperitivos servidos eram essas "lagartinhas"? E não é que os meus colegas que tiveram a coragem de provar disseram que eram muito saborosas?
Se algum dia voltar ao Chiede, Namacunde ou Santa Cruz provarei eu também... mas só lá. Em Luanda, por certo que não terão o mesmo sabor...

Namacunde - a mémé



O pelotão que fomos substituir em Namacunde "legou-nos" um cabritinho com uns poucos dias de idade. Aconselharam-nos a alimentá-lo durante mais uma semanas e depois faríamos uma daquelas famosas caldeiradas que sempre caracterizaram Angola, normalmente com bastante piripiri.
Logo alguém se lembrou de lhe chamar mémé e passou a ser uma espécie de mascote que crescia a olhos vistos e que nos acompanhava como um autêntico cão, fossemos para onde fossemos.
Numa destas fotografias podemos ver o furriel Santos e a dita "mémé".
Claro que ninguém teve coragem de fazer a tal caldeirada. Por lá ficou quando regressamos a Luanda.O que lhe aconteceu depois, nunca o saberemos.

Chiede - Patrulhamentos pela Angola Profunda






No Chiede não havia guerra. A actividade militar limitava-se à acção psico-social junto das populações nativas, à prestação de cuidados médicos às populações do interior e, de quando em vez, a um ou outro patrulhamento que normalmente duravam dois ou três dias e durante os quais chegavamos a penetrar duzentos ou trezentos Km pela "Angola Profunda".
Nesses patrulhamentos podiam acontecer as coisas mais inesperadas, desde "darmos de caras" com uma qualquer beldade nativa, normalmente sem qualquer vestuário na parte superior do corpo, com manadas de cavalos de uma qualquer raça, mas com aspecto óptimo, como a fotografia que anexo comprova.
Lembro-me que uma vez encontramos um grupo de bosquímanes que deambulavam pela mata num grupo relativamente numeroso. Ainda hoje lamento não ter feito um esforço adicional para tentar "dialogar" com eles. Lembro-me que a forma de se expressarem era através de "estalidos" num som gutural que faziam com a língua e a garganta. Gostria de facto de ter entabulado qualquer tipo de conversação com eles mas, mais ainda, lamento não os ter fotografado. As crianças e as jovens, semi-nuas, eram extremamente lindas com uma cor de pele perfeitamente clara, semelhante à da raça mongol. Os olhos aprsentavam sinais semelhantes aos de qualquer raça oriental. Teremos sido, talvez, os primeiros brancos que eles terão visto. Ainda hoje me pergunto como terão ido parar áquelas paragens? Será que conseguiram sobreviver à guerra que após a nossa saída desvastou o sul de Angola? Será que continuam a deambular pelas matas da savana africana?
Numa das fotografias que apresento reconhecem-se o Moreira, 1º Cabo especialista em armas pesadas e que virou cozinheiro, o famoso Gregório condutor que adorava uma cucas fresquinhas e o furriel Almeida.

domingo, 27 de setembro de 2009

Partida para Angola


A Briosa C. Caç. 3482 em formatura no dia que embarcamos para Angola.
Reconhecem-se, entre outros, o Capitão Carlos Canito, os Aspirantes Abrantes e Tinoco (comandante do 2º Grupo de Combate) e os furreis Santos e Soares.
Tristeza pela partida e pelos entes queridos que ficavam, ansiedade pelo que pensavam vir a encontrar naquelas novas paragens cheias de histórias que no seu imaginário se mantinham desde a infância, espírito de aventura quais novos descobridores que pretendiam continuar a expandir o espírito lusitano por terras de além-mar, onde iriam viver aventuras que mais tarde haveriam de contar aos seus filhos e netos... todos estes sentimentos terão passado pelas nossas mentes em Janeiro de 1972 antes de embarcarmos no Vera Cruz rumo a Luanda.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Confraternização com civis"



Na C. Caç. 3482 havia alguns "jeitosos" que "arranhavam" uma notas musicais e cantavam uma coisas.
Eram sempre momentos de alegria aos quais se juntavam, por via de regra alguns civis, principalmente os responsáveis administrativos e respectivas familias...
Também nos fazia esquecer um pouco as "agruras" que por lá passavamos e nos recordavam o ambiente familiar que havíamos deixado.

A bordo do Vera Cruz


Alguns dos então jovens "Aspirantes a Oficiais" que haveriam de, durante cerca de dois anos e meio, "servir para cumprir" no B. CAÇ. 3869.

Felizmente todos eles regressaram de "boa saúde".

Antes da partida


Jovens militares garbosos, uns cheios de convicções e na certeza de que iam bater-se pela defesa dos ideais de uma Pátria lusa multi-racial e outros com algumas dúvidas relativamente a esse mesmo objectivo e outros ainda pensando se os riscos que iriam correr se justificariam...
Aqui uma "mistura" do 1º Grupo de Combate com pessoal da "ferrugem" e das "Transmissões".

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Loge - Segunda operação


No primeiro mês de estadia no destacamento do Loge, foi decidido que o 1º GC, ao qual se juntaria o 2º GC, deveriam ir fazer uma operação numa região que se sabia ser de "infiltração" de guerrilheiros armados, situada entre o rio Loge e uma picada que ligava a zona, à estrada que ia de Freitas Mornas até Ambrizete, passando pelo rio Sembo.

O 1º GC já "avisado" devido a uma operação que havia feito antes, tratou de levar a água necessária a uma operação que durava três noites. O Alferes Tinoco, comandante do 2º Grupo, mais preocupado com as questões operacionais, fez com que o seu pessoal levasse todo o material de guerra necessário a um confronto com o IN, sacrificando as necessidades de água. Assim a cada militar foi permitido levar um só cantil de água.

Acontece que essa mesma água se esgotou antes de findar o primeiro dia de operação. Instado pelo Alferes comandante do 2º Grupo, lá olhamos para o mapa e concluímos que o rio Loge ficaria o máximo a 5/6 Km do local onde nos encontravamos e decidimos que, na madrugada do dia seguinte, um Grupo constituído por pessoal do 1º e 2 º Grupos, iriam abastecer-se de água ao rio. Aquilo que pensavamos ser um pequeno passeio transformou-se num verdadeiro martírio... encontramos uma linha de água e , muito naturalmente, pensamos que iria dar ao rio. Depois de várias horas de caminho e já sem água, chegamos a um local que antes deveria ter sido uma lagoa cheia de água bebível, mas que na altura não era mais do que lama ressequida pelo sol abrasador. Subimos a uma colina mas sinais do rio nem vê-los. O guia que nos acompanhou na operação, tirou-nos todas as esperanças. Não se perspectivando que dessemos com o rio, no meio daquelas florestas de espinheiros, decidimos regressar ao ponto de partida. Nas cavidades das rochas, encontrava-se por vezes restos de um liquido amarelado, que tentei beber mas não consegui por se encontrar perfeitamente "putrefacto". Lembro-me de tambem ter disparado para umas aves com o objectivo de obter qualquer líquido que aliviasse a nossa sede mas não consegui matar fosse o que fosse.

Tentamos tudo o que haviamos aprendido durante a recruta, desde "chupar" seixos, até escavar o leito da tal linha de água. Também um xarope que o Cabo Enfermeiro Pereira levava juntamente com os restantes medicamentos, foi distribuido por todos, uma colher para cada um. Não nos parecendo haver outra solução, os mais resistentes nos quais, eu e o furriel Almeida nos incluíamos, decidimos partir em busca dos restantes camaradas, que entretanto aguardavam a nossa chegada com a tal água do rio de que tinhamos ido à procura... O Comandante do 2º Grupo ficou com os restantes.

Atingimos um tal estado de esgotamento que depois de cem metros a caminhar, nos deixavamos cair no capim para descansar e ganhar forças para fazer mais uns metros.... O Cabo Almeida, que durante a operação teve um comportamento exemplar, já perto da noite, perguntou-me em que sentido deveríamos caminhar. Lá lhe indiquei o sentido do pôr do sol e continuamos a nossa penosa caminhada. Lembro-me, que já era noite, quando o Almeida perfeitamente eufórico me gritou: "meu Alferes", chegamos à picada. O ânimo renasceu e lá continuamos agora em marcha mais acelerada, lembrando-me eu da cerveja que tinha trazido comigo, mas que havia deixado junto do outro grupo, e que me iria saber melhor do que qualquer outra bebida que já tivesse bebido.

O Grupo que ficou a aguardar, resolveu pernoitar na picada em que nós caminhavamos, sendo que que numa das extremidades se encontrava o Fernandes de vigia. Quando sentiu a nossa presença, julgando tratar-se de qualquer Grupo Inimigo ainda pensou em abrir fogo. Felizmente não o fez e perguntou primeiro "quem vem lá"? Foi uma alegria imensa para todos.

Infelizmente a tal dita cerveja que eu havia deixado, já tinha sido utilizada pelo Furriel Silva para lhe ajudar a mitigar a sede, pelo que passei a noite sem qualquer tipo de bebida... só sonhava com as lagoas que circundavam o Loge e cuja água eu julgava ser bebível, jurando que me lançaria nela logo que lá chegasse.

Entretanto o pessoal que havia ficado no destamento, e que entretanto já sabia da situação, logo de madrugada chegou ao local onde passamos a noite. Imediatamente se constituíu um Grupo para ir procurar os camaradas que haviam ficado para trás. O Cabo Almeida, apesar do seu estado de esgotamento, ofereceu-se para servir de guia. Umas horas depois lá deram com eles. Haviam tentado beber urina e estavam num estado de completo esgotamento.

Esta terá sido a operação que fiz em Angola em que o terei atingido os limites do sofrimento físico. A lição ficou para todos. Naquelas paragens, a água nunca era demais e justificava o sofrimento adicional de um peso de 2 ou 3 quilos mais a pesar no saco de combate.

Loge - primeira operação


Chegados a Ambrizete, o 1º GC foi destacado para o Loge. Tratava-se de um lugar paradisíaco. Instalações óptimas, boa companhia por parte dos fazendeiros e restantes trabalhadores....
Até que chegou o dia da primeira operação. Deveríamos ir patrulhar a zona junto ao mar.
Autênticos maçaricos, preparamos a operação ao milimitro. Até a MG levamos, para não falar na Bazuca e no morteiro 60. O coitado do Moreira, que mais tarde se veio a transformar num cozinheiro do que havia de melhor, é que não deve ter gostado muito da ideia. Para além do "saco de combate" com tudo o que necessitaria para uma operação de três dias, ainda teve de carregar a tal dita MG, que nunca usamos em combate e também nunca mais nos acompanhou em operações.
Levavamos tudo, só não levamos a água suficiente para três dias de operação, pelo que ao fim do primeiro dia, já quase ninguém tinha água.
A preocupação inicial não foi muita... sabiamos que o rio Loge desaguava no mar e não seria difícil chegar até ele. Assim, quando a necessidade de água foi mais premente, lá nos pusemos a caminho da foz do Loge onde pensavamos encontrar água pura e cristalina. Cada vez com mais sede, lá chegamos à foz do rio. Acontece é que a água que esperavamos que fosse bebível era intragável. As marés faziam com que a água fosse tão salgada como a água do mar. Lá tivemos de aguentar até ao fim da operação, com um sofrimento enorme, com a água que tinhamos levado e que partilhamos entre todos, para que que fosse possível aguentar até ao dia da recolha.
Descobrimos que na foz do Loge havia crocodilos aos montes, que se lançavam ao rio logo que nos pressentiam.
Lembro-me de pernoitarmos, ou antes passamos umas horas da primeira noite, num planalto com imensas palmeiras. Um lugar que parecia óptimo para passar a noite, veio a provar ser perfeitamente impossível: Dos caules das palmeiras saíam "enxames" de mosquitos que nos atacavam implacavelmente. A primeira reação foi a de nos taparmos completamente com os "ponchos". Mas logo se seguida descobríamos que era impraticável... ou os mosquitos conseguiam entrar, e o seu zumbido fazia-nos quase enlouquecer ou o calor era insuportável. Ao fim de umas horas de sofrimento, decidimos por unanimidade ir dormir junto ao mar, mesmo sabendo que se houvesse um ataque, não tinhamos fuga possível. O Moreira lá instalou a MG virada para os morros mais próximos e lá conseguimos dormir um pouco apesar do barulho das ondas mesmo alí tão perto...
Duas lições: Armas pesadas de nada valiam naquele tipo de operações e a água era o bém mais importante naquela zona onde, para além da que levavamos do quartel, nada mais havia que fosse bebível. Lembro-me que o Grabulho, o nosso rádio telegrafista, comprou um garrafão de plástico de 5 litros que nunca mais deixou de levar consigo, sempre que íamos para operações. Eu por mim passei a levar uma cerveja por cada dia de operação... alguém imagina o sabor maravilhoso de uma cerveja logo de manhã muito fresquinha, arrefecida pelas noites frias de "cacimbo"?


domingo, 2 de agosto de 2009

Micula


Micula, nome mítico de uma região na zona dos Dembos, presumo que para Norte de Quipedro. Digo presumo porque na operação que ali fizemos fomos helitranportados e, nestas condições, perdemos um pouco a noção da localização geográfica. E como também já passaram uns anos, as recordações já são um pouco mais ténues.... Mítico porque se tratava de uma região onde se encontravam inúmeros acampamentos de população não controlada e bastantes guerrelheiros que se sabia estarem bem armados.
Os Pumas chegaram ao Quixico pela madrugada. A Operação seria levada a cabo pelos 4 Grupos de Combate da C. Caç. 3482, sendo que se constituiriam dois grupos, um formado pelo 1º e 3º Grupos e o outro pelo 2º e pelo 4º que actuariam em zonas próximas, mas separadamente.
Era a primeira operação que faziamos transportados por helicóptero e não tinhamos sido devidamente avisados das precauções a tomar. Estavamos, por isso, na pista do Quixico quando os Puma chegaram. Para além da burulho que faziam levantaram uma poeira enorme que fez com que a maioria das G3 ficassem inoperacionais... lição para futuras operações semelhantes, ou deveríamos aguardar mais afastados da pista ou deveríamos proteger as armas do pó... resultado: quando chegamos ao local da operação, o primeiro cuidado foi desmontar e limpar as G3.
As instruções eram claras..., assim que chegassemos ao local, deveríamos montar emboscadas em lugares pré-estabelecidos. A aviação faria o resto.
Lembro-me que quando saltei do Puma, a cerca de um ou dois metros de altura, as alças do saco de combate rebentaram. Foi uma preocupação adicional. Levavamos mantimentos para vários dias e o saco era bastante pesado. Lá consegui arrastá-lo para uma zona protegida e lá improvisei uma solução que terá passado por atar as alças e dessa forma conseguir transportar o saco às costas mais ou menos facilmente.
Guardo ainda hoje na minha memória o barulho dos disparos do helicanhão, em voos rasantes sobre as copas das árvores, disparando de forma potente e cadenciada as balas de estilhaços. Era assustador mesmo para nós, que sabiamos não ser os visados.
A técnica nestas situações, era a de haver uma aeronave que voando mais alto, dava instruções ao helicanhão sobre a localização dos "alvos".
Vou contar uma cena que reflecte o pavor que essas populações tinham da nossa avição:No Quixico tinhamos recuperados que rapidamente se integraram no seio dos militares. Um dia, enquanto jogavamos futebol, de cujas equipas os recuperados faziam parte de forma entusiástica, quase como se jogar futebol fosse a melhor coisa do mundo, fomos sobrevoados penso que por uma DO. Os recuperados em causa, largaram o jogo e foram refugiar-se debaixo das escadas que levavam à messe de Sargentos e só de lá sairam quando tiveram a certeza de que já não estavam no mato e que não havia perigo....
De entre os resultados da operação refiro a recuperação de um casal de idosos, cujo aspecto andrajoso, revelando as dificuldades com que viviam e cuja fotografia hei-de publicar um dia quando a encontrar. Tiveram uma sorte danada, já que as rajadas disparadas pelo Lourenço quando deu com eles "de caras" e por certo tão assustado quanto eles, quase que cortaram cerce o caule de uma palmeira próxima, mas deixaram ileso o dito casal, que, foi depois também transportado por heli para Nambuangongo para ser interrogado.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Chegada ao Quixico


Uma vez mais gentimente fornecida por um ex-camarada da C. Caç. 3387, aqui fica para a posteridade uma fotografia retratando a nossa chegada ao Quixico.
Infelizmente nenhum de nós se reconhecerá nesta fotografia e ainda bém, já que por certo deixaria transparecer a apreensão que na altura representou, a chegada a uma zona de muito maior perigosidade do que Ambrizete.
Digo nenhum de nós, mas não estou a dizer a verdade.... se repararem bem, num dos carros podem ver a Plucha, a tal dita cadela que nos acompanhou durante uma grande parte da Comissão. Porque se trata de uma história que ficará para sempre gravada na minha memória, não vou deixar de a contar uma vez mais:

Quando chegamos a Ambrizete, "os velhinhos" que veneravamos como quase deuses, chegaram-se a mim e propuseram-me a "cedência" da Plucha a troco de uma grade de cervejas. Claro que não a poderiam levar consigo pelo que a troca era um pouco "desigual". Lá paguei a grade de cervejas e o pessoal do 1º Grupo de Combate, com especial dedicação do Cruz, adoptou a cadela como sua. Passou a acompanhar-nos em diversas operações e era uma óptima caçadora a fazer lembrar os óptimos cães de caça que havia deixado na Beira Alta.

Lembro-me de num dia, nas praias da Musserra, a Plucha ter dado com um veado no meio dos espinheiros. Não mais o largou e durante a perseguição, em determinada altura passa-me de relance qualquer coisa amarelada pela frente. Pensando ser o veado, lá disparei os dois tiros rápidos da ordem. Contrariamente ao que era habitual e, felizmente, falhei. É que não era o veado mas sim a Plucha que não mais parou enquanto não matamos o dito, o que penso ter sido feito pelo Ávila.
Infelizmente a Plucha não nos acompanhou durante toda a comissão já que faleceu de doença antes de partirmos para Pereira D' Eça. Foi um dos momentos tristes da nossa passagem por Angola....

sábado, 20 de junho de 2009

Caxito, Zala, Nambuangongo, Canacassala, Quipedro, Lué, Quixico (plantação de café) Numbuangongo (outra perspectiva)....




Novas fotografias obtidas "por via" da C. Caç. 3387 que nos anteceu em todos os lugares por onde passamos.
De realçar as vistas parcelares das localidades e dos aquartelamentos tão do nosso conhecimento (Caxito, Zala, Nambuangongo, Canacassala e a famosa Via-Láctea (o que por lá sofremos.. quem poderá esquecer aquela operação em que tivemos um "camarada" que perdeu a perna ao pisar uma mina anti-pessoal?), Quipedro, Lué e por fim os cafeeiros no Quixico).

No caso do Quixico podemos apreciar os cafeeiros em flor... lindíssimos.

São paisagens que nenhum de nós jamais esquecerá.
Um episódio triste que vivi em Zala. Estando em Nambuangongo com o meu Grupo de Combate numa daquelas acções de formação ordenadas pelo Comando da área Militar nº 1 (AM 1), fui escalado para garantir a protecção ao MVL no percurso Nambuangongo - Zala.
Estava a organizar a coluna quando fui abordado por dois furrieis, um do B. Caç. 3869 e um outro penso que do Grupo de artilharia (?) ou Comunicação (?) sedeado naquele quartel. Pretendiam integrar-se na coluna com o intuito de irem conhecer a mítica Zala. Um pouco contrafeito lá acedi ao pedido e mandei que ocupassem os seus lugares na parte traseira de um unimog dos pequenos (burros do mato). A viagem até Zala decorreu sem qualquer problema, embora a tivessemos feito com enormes precauções, já que se tratava de uma das mais perigosas picadas de Angola. Lembro-me do "bico do pato" zona da picada extremamente perigosa, em que, uma metralhadora estratégicamente colocada de frente, conseguia apanhar todo a coluna.
Lembro-me do acesso ao quartel em que tinhamos de subir uma picada muito íngreme que circundava várias vezes a colina onde se situava o quartel.
Já em Zala, fui abordado pelo capitão que me pediu para trazer de regresso uma Berliet que alí se encontrava desde o MVL anterior e que tinha avariado. Depois de concertada estava pronta para fazer o regresso. Destaquei dois militares para assegurarem a protecção à viatura e lá iniciamos o percurso de regresso a Nambu. Acontece que durante a descida da picada, ainda em Zala, a dita Berliet conduzida por um militar de cor, perdeu os travões (segundo me informaram depois, o condutor não terá dado "pressão" suficiente aos travões, o que fez com que não funcionassem durante a descida). A dita viatura foi embater violentamente no unimog que seguia à frente e onde seguiam os dois furrieis que refiro inicialmente. Todos os militares que iam na parte de trás do unimog foram cuspidos. Infelizmente o furriel do Grupo de Artilharia (?) não se conseguiu desviar dos rodados da Berliet que lhe passaram por cima do peito. Pedimos imediatamente a evacuação através de helicóptero e, apesar de ser assistido também pelo pessoal de Zala, faleceu no local. Foi transportado para Nambuangongo já cadáver.
Este furriel, que tinha sido incorporado directamente em Angola, acabava a comissão na semana seguinte e morreu porque quis conhecer Zala. Ainda me lembro da sua esposa se deslocar de avião a Nambuangongo, para para acompanhar o seu corpo de regresso a Luanda.
Foram episódios como estes que deram corpo aquele ditado que nós muito usámos durante a guerra. "Voluntário só para o Rancho"...
Um abraço a todos quantos, durante os doze anos de guerra, passaram por estes locais.

Chiede (Quimbo) - Zala -Beira Baixa - Zala - Nambuangongo - Lué - Quixico

















Estas fotografias foram-me amavelmente cedidas por um camarada da Companhia que nos terá substituido no Quixico, quando da nossa transferência para o Sul de Angola.
Agradeço a esse nosso "Ex-camarada" a cedência das fotografias, que penso que não se importará que as inclua no nosso blog. Incluo também fotografias obtidas através da Companhia que nos antecedeu no Quixico. Como "irmãos de armas" penso ser salutar esta troca de informações sobre situações vividas por outros, mas em tudo semelhantes às que nós vivemos em Angola.
Gostaria de deixar aqui um desafio a todos os que como nós viveram a guerra colonial... é importante recordarmos o passado, mas é muito mais importante tentarmos ajudar outros camaradas nossos que não terão tido a nossa sorte e que, porventura, estarão a passar dificuldades por terem problemas de saúde ou outros, directa ou indirectamente relacionados com a sua passagem pela guerra do ultramar. É importante que esses factos sejam relatados e que situações de injustiça sejam dadas a aconhecer ao máximo de pessoas. Desta forma, poderemos tentar influenciar quem tem o poder de decidir em matérias que podem melhorar a sua qualidade de vida. Devemos no entanto realçar que nenhum de nós quer favores, queremos somente que seja feita justiça e que nos seja facultado aquilo a que temos ou deveríamos ter direito.