segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Embondeiro


Em Angola havia embondeiros por todo o lado. davam um fruto que parecia "um candelabro" e que sabiamos servir de alimento para os elefantes. Nunca pensamos ser comestível por humanos. Afinal é mesmo. Provei numa das minhas recentes deslocações a Angola. No interior, para além de uma parte branca comestível,embora de sabor inexpressivo, existe uma espécie de "pevide" que me disseram desenvolver-se por cá. Plantei algumas delas e uma nasceu e cresceu uns quinze cm. Depois veio o inverno, definhou e acabou por secar. Segundo me dizem, está numa espécie de hibernação e quando voltar o calor, ao ser regada, volta a rejuvenescer. Vou esperar para ver.
Constava por lá que o caule, extremamente esponjoso, depois de comprimido e seco ao sol, era utilizado pelas populações que se encontravam na mata fora do nosso controlo, para fazerem uma espécie de tecido com que cobriam o corpo. De facto alguns dos vários "recuperados" em operações que fizemos traziam vestido algo que poderia bem ser feito a partir desta árvore.
Quase nua de ramos, o troco do embondeiro chega a ter vários metros de diametro, de tal forma que havia exemplares em eram necessários mais de uma dezena de homens para o abraçar.
Aqui fica um exemplar para quem nunca viu.

Histórias vividas na Musserra parte 2


A Musserra era uma óptima zona de caça. Havia de tudo desde javalis e veados até às pacassas e palancas. Por lá fizemos caçadas dignas de figurarem em qualquer memorial que sobre as mesmas fosse feito.
No 1º Grupo de Combate havia vários especialista em caça noturma, com especial destaque para o furriel Almeida e os amigos açoreanos e madeirenses (Martins, Telo, Avila, Almeida...) que adoravam um bom pedaço de carne em vez do já impossível de tragar atum ou das famigeradas salsichas. Estavam por isso sempre prontos para uma saída noturna. Eu não gostava muito disso porque receava que acontecesse algo de desagradável e de muito dificil explicação se acontecesse. Felizmente nunca aconteceu nada que pudesse criar problemas, mas não aconteceu por uma sorte incrível...
Acontece que durante uma coluna que o 3º grupo fez e a cerca de 10 km da Mussera, viram um negro junto à estrada que imediatamente se pôs em fuga. Umas semanas depois, quando preparavamos uma operação junto do rio Sembo, onde se dizia haver diamantes mas onde nunca encontarmos nada que a eles se assemalhasse, a coluna que vinda de Ambrizete trazia o pessoal para a operação, resolveu parar na zona onde haviamos visto o tal negro, para inspeccionar o local. Acontece que quando nos derigiamos para a orla da mata, desencadeou-se um tiroteio infernal, tendo inclusivamente a coluna sido alvejada com os famosos rockets RPG7 de fabrico russo, um dos quais atingiu a estrada um pouco atrás da Berliet. A reacção principalmente do atirador da Breda colocada na Berliet, que durante o ataque nunca deixou de fazer frente aos atacantes, impediu males maiores, que se ficaram por meia dúzia de feridos ligeiros, essencialmente pelos estilhaços dos rockets.
A forma como o ataque se desencadeou, evidenciou que eles não estavam ali para atacar aquela coluna. Foram obrigados a reagir devido à aproximação das NT.
A observação do local, permitiu-nos concluir que se tratava de um grupo de cerca de 15 guerrilheiros que se encontravam naquele local há duas ou três semanas. Tinham inclusivamente um posto de observação no cimo de um embondeiro do qual se avistava a estrada. Apesar do apoio de um alouette com uma secção da "páras" imediatamente chamado para se fazer a perseguição, o grupo que rapidamente se pôs em fuga, conseguiu refugiar-se nas matas que circundavam o rio Sembo.
Tivemos a certeza quase absoluta, que a emboscada estava preparada para o Grupo das caçadas que por via de regra se deslocava para aquela zona.Digamos que foi uma sorte tremenda. Normalmente nas caçadas levavamos um só Unimog o que, em caso de emboscada, com o potencial de fogo que aquele grupo evidenciou, não teria havido qualquer hipótese de defesa.
Claro que para o 1º Grupo de Combate, acabaram as caçadas à noite e mesmo de dia, nunca com menos de dois unimogs e duas secções.

Histórias vividas na Musserra parte 1


A Mussera situava-se entre Freitas Mornas e Ambrizete e era servida pela estrada alcatroada que ligava Luanda ao Norte de Angola.
A C. Caç. 3482 tinha lá um destacamento constituído por um Grupo de Combate.
Tratava-se de um quartel agradável com instalações aceitáveis. No quartel havia algumas mangueiras de enorme porte mas que nunca frutificaram enquanto por lá estive, o que lamento porque gosto imenso dessa fruta. O quartel estava situado exactamente em frente de uns morros que ficavam a cerca de mil e quinhentos metros e constituiam um óptimo local para atacar o quartel. Dizia-se que tinham sido armadilhados por um Alferes que terá sido morto sem que tivesse localizado as armadilhas que ali tinha colocado. Verdade ou mentira , o que é certo é nos nunca nos aventuramos a ir lá inspeccionar o local. O quartel era dominado por um torreão, virado de frente para esses morros e onde tinhamos instalado uma Breda.
Também de frente para esses morros, construímos um abrigo subterrâneo que facilitaria a defesa em caso de ataque.
Num certo dia apareceu por lá o foto-cine ido de Ambrizete. Quando isso acontecia era uma alegria para todos, incluindo a população civil, já que representava a possibilidade de "ir ao cinema"...
Nesse dia lembro-me de ter jantado lagosta muito bem regada com várias (demais) cucas fresquinhas.
Tal como combinado com o responsável administrativo, ao cair da noite montamos o ecran na Senzala e praticamente todos os militares para aí se deslocaram para ver os tais filmes. Levamos os unimogs que, à falta de lugares para nos sentarmos funcionavam de cadeiras.
Ia o filme a meio, com praticamente toda a população nativa presente, quando "espavorido" chegou junto de mim o Avelino, soldado de cor, que havia ficado de sentinela. "Meu alferes" gritou ele "há luzes no morro". Todos nós largamos o filme e corremos para o quartel. Subi de imediato para o torreão de que falei e de facto no morro viam-se luzinhas que apareciam e desapareciam parecendo movimentar-se. Sem pensar muito (as "cucas provavelmente também não facilitavam isso...") agarro na Breda e começo a disparar para o local onde se viam as luzes, o que provocou uma confusão de todo o tamanho junto do pessoal nativo que pensou estarmos ser alvo de um ataque.
Nunca se soube a que eram devidas aquelas luzes: O IN para avaliar se estavamos alerta? Os restos de uma qualquer queimada (de que não nos apercebemos)?
O que é certo é que no dia seguinte me fartei de ser gozado pelos oficiais superiores do batalhão: "Então você é que criou toda aquela confusão por causa de umas "luzinhas"??
Acontece que, a Companhia que nos sucedeu em Ambrizete e na qual prestava serviço o Alferes Leitão, também de Operações Especiais/Ranger e a quem eu havia dado instrução em Lamego, me contou depois que "eles" haviam atacado a Musserra e que tinham levado quase toda a população para a "mata".
Quem sabe se não seríamos nós que estava previsto sofrermos esse ataque o que só não terá acontecido, porque demonstramos estar suficientemente alerta para reagir adequadamente se isso acontecesse?
Nunca teremos resposta a esta dúvida...