quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Operação LUÉ - 1973



O Alferes Abrantes reuniu o seu Grupo de Combate umas horas antes de anoitecer no dia anterior à partida. Referiu os detalhes da Operação.

A Operação seria levada a cabo pelo 1.º e 4.ºs Grupos de Combate reforçados por uma secção de GE's de Nanbuangongo.
A Operação iria acontecer na região onde no mês anterior o Alferes Vinagreiro havia conduzido uma outra operação sem resultados positivos para as Nossas Tropas. A flagelação intensa das NT pelo fogo inimigo obrigou à nossa retirada. Tratava-se por isso de uma espécie de desforra.
Tinham recebido ordens expressas de atacar e destuir o acampamento inimigo que sabiamos existir naquela região, situada entre as povoações do Quixico e do Lué, a cerca de 15 Km do Lué.
Para além das preocupações habituais, nomeadamente o bom estado Radio Racal e do necessário equipamente de primeiros socorros, foi distribuido material de guerra adicional. Contra o que era habitual, levariam o morteiro de 60 mm e cada militar deveria levar consigo uma granada de morteiro.Não deixou de recomendar que seriam necessários todos os cuidados, pois que se trataria por certo de uma das mais perigosas operações que haviam sido concretizadas até ao momento pela Companhia de Caçadores 3482.
Apesar da experiência de todos os militares, quase todos eles com cerca de 18 meses de guerra, sentia-se em todos eles uma certa crispação. Por certo que a sua experiêcia e os seu nervos iriam ser postos à prova.Poucos dormiram durante a noite e certamente todos eles se recordaram da família, dos seus entes mais queridos, dos momentos felizes que viveram e que os desejavam ainda viver.A partida aconteceu de madrugada, de forma que estavam no local "de lançamento" ainda de noite.
O avanço iniciou-se com a secção de GE's à frente, logo seguida pelo Alferes Abrantes e o seu Grupo de Combate - o 1.º. Seguia-se depois o 4.º Grupo de Combate.A aproximação foi feita com todos os cuidados. Seria aquela talvez a primeira vez que o faziam. Caminharam sempre pela orla das florestas e sempre que era necessário atravessar campos abertos, faziam-no praticamente rastejando.Ao anoitecer, chegaram a uma pequena colina, suficientemente arborizada para permitir que não fossem detectados, que o guia informou estar perto do acampamento. O guia em questão havia permanecido durante toda a sua vida naquele acampamento, tinha desertado e aceitou guiar as NT, a troco da promessa que trariam a sua família sã e salva.O Alferes resolveu passar a noite nessa colina.
Quando da aproximação foram inúmeros os sinais de que se tratava de uma região habitada por uma expensa população, comprovada pelas inúmeras "lavras" por onde iam passando.Depois de comerem a habitual ração do combate, procuram descansar um pouco.
O Alferes havia decidido que só atacariam de madrugada já que poderia haver feridos e, durante a noite, a Força Aérea não fazia evacuações...
O Furriel Almeida sentiu necessidade de cagar. Depois de falar com o Alferes lá se afastou um pouco do perímetro do acampamento improvisado, mas o receio do perigo de que todos tinham consciência, não permitiu que ele se afastasse muito dos restantes camaradas, de tal forma que o Cabo Massena sorrindo comentou para o Alferes "meu Alferes, a merda do Furriel cheira mesmo mal"....
Ao contrário do que normalmente acontecia noutras operações, O Alferes acabou mesmo por adormecer. Foi acordado pelo Chefe de Secção dos GE's que o chamou suavemente: "Meu Alferes está na hora. Temos de ir".
O Alferes procurou ver as horas e viu que pouco mais passava da meia-noite. A primeira reacção foi de que era cedo, que só queria atacar ao amanhecer. O Geremias, assim se chamava o Chefe de secção, voltou a recomendar que avançassem já porque não se sabia bem, quanto tempo demorariam.
Iniciaram a marcha por volta da uma hora da manhã. Foram atravessando "lavras" e pequenos ribeiros, sem que se sentisse o mais ligeiro sinal de "guerilheiros". A travessia dos riachos, levantava algumas dificuldades ao alferes cuja altura deficultava o equilibrio, principalmente quando tinha de utilizar arvores caídas para atravessar. Já muito perto do acampamento, teve a pouca sorte de cair mesmo de uma àrvore que tentava utilizar com ponte. A queda foi de tal forma desastrosa que o Geremias sussurrou "filho da puta, não faz barulho". Penso que nunca ninguém soube que tinha sido o Alferes a cair...
O Alferes, sempre com a mão no Guia, não fosse ele arrepender-se e fugir, ia ouvindo o que ele dizia: Um espaço aberto era a Igreja. " Alferes, aqui é a escola". Tratava-se de um espaço aberto com árvores colocadas paralelamente onde os alunos se sentavam. À frente havia uma espécie de mesa construída por ramos de árvores.
Nesta altura, deveriam ser quatro horas da manhã, o Alferes sentiu uma espécie de alívio. Não se sentia o mais pequeno ruído. Nem de cães a ladrar nem de galos a cantar, o que acontecia sempre noutras operações que haviam realizado. Talvez "eles" tivessem saido dali. Talvez tivessem abandonado o acampamento..."
O Alferes tinha decidido que só haveria tiros se fosse necessário. Tinha combinado com o Geremias que iriam de cubata em cubata, recolheriam as populações, começando pelos familiares do Guia. Prucurariam depois saber onde se encontravam os guerrilheiros com armas para que fossem "neutralizados"... Acontece que uma lanterna que o Alferes havia levado para facilitar a aproximação, fundiu, o que impediu que esse objectivo fosse levado a cabo. Por outro lado, aumentou o receio de que, na escuridão quase total provocada pelas árvores enormes que impediam que o acampamento fosse visto nas observações aéreas que regularmente faziam, fizessem despoletar qualquer mina anti-pessoal colocada nos trilhos.
Já próximo do acampamento o Alferes decidiu que o assalto seria feito pela Secção de GE's e pelo 4.º Grupo. O 1.º Grupo ficaria a guardar o equipamento não utilizado no assalto e faria a protecção à rectaguarda .Aqui ficaria tambem o morteiro sessenta. Ele próprio comandaria o assalto.
A aproximação continuou cada vez com cuidados acrescidos e com a Alferes cada vez mais esperançado que o acampamente estivesse abandonado.Passados uns momentos começaram a ouvir pessoas a tossir. "Estamos fudidos" desabafou o Alferes "eles estão mesmo cá". As noites eram frias o que conjugado com a ausência de medicamentos, fazia com que houvesse pessoas doentes e que tossiam com aquele som cavernoso, tipico das pessoas que sofrem de tuberculose.
Quase imediatamente, começaram os tiros, primeiro das pistolas metralhadoras utilizadas pelos guerrilheiros caracterizadas por terem um som mais seco e breve e depois a resposta principalmento dos GE's e de parte dos camaradas do Grupo de Combate com as suas FN e G3.
O que se seguiu foi indiscritível. Nunca nenhum deles tinha ouvido um tão intenso clamor quase insurdecedor, provocado principalmente pelos gritos lancinantes de mulheres e de crianças gritando ao fugir.O Alferes viu um tanto admirado que se encontrava praticamente no meio do acampamento.
O soldado Sequeira que seguia imediatamente atrás do Aferes, disparou os cinco carregadores da G3 que levava consigo ou seja disparou cerca de cem tiros. Os carregadores por lá ficaram já que só trouxe consigo o que levava na arma...
O pessoal do 1.º Grupo, verificando que o Grupo de Assalto estava sob fogo inimigo, começou a bombardear a zona (Vale de Cambra... ainda bem que tudo correu com pretendias... e que foste, como sempre extremamente certeiro a manusear esta arma...)com o morteiro sessenta. As granadas caíam próximo do Grupo de Assalto com o estrondo característico da deflagração das granadas quando rebentam próximas e aquelas caíam excessivamente perto, embora na direcção para onde os ocupantes do acampamento haviam fugido. Na fuga passaram muito perto do Furriel Santos que não abriu fogo, com receio de atingir os camaradas do Grupo de Assalto.
O receio de serem atingidos pelas granadas de morteiro que continuavam a cair, fez com que o Alferes decidisse a retirada imediata. Tambem já tinham a prova de que lá tinham ido... e a prova eram 5 crianças, extremamente lindas embora com sinais de subnutrição e dois adultos familiares do Guia.
Antes de retirarem lançaram fogo a várias cubatas.As crianças ou estavam nuas ou cobertas com uma espécie de tecido fabricado com pasta de caule de embomdeiro que, depois de comprimida, permitia fazer aquela espécie de tecido.
A rapidez da retirada fez com que os soldados se revezassem no transporte das crianças. O Soldado Vaz, apesar do seu aspecto frágil, transportou sempre durante a retirada a mesma criança, dando sinais de um estoicismo invulgar.
Chegaram ao lugar onde deviam ser recolhidas numas escassas três horas, percorrendo o que antes havia demorado mais de um dia a fazer.
Chegados ao local de recolha, o esgotamento era total. Cada um deles procurou uma árvore à sombra da qual se deitou, procurando recuperar um pouco das forças gastas durante aqueles dois dias intermináveis.
As viaturas que fariam a recolha, chegaram cerca de uma hora depois. Juntamente com as viaturas militares vinha uma camioneta conduzida pela Capataz da Fazenda do Quixico (Amigo Sá, o que é feito de si?). Foram todos saudados como heróis. O Alferes perguntou aos furrieis que o acompanharam na operação, se o pessoal estava todo e tendo obtido a confirmação, ordenou o regresso ao quartel.
O Alferres Abrantes já no Quixico, tinha feito a barba e tomado banho, quando o Cabo que servia na messe dos Oficiais o abordou aos gritos "meu Alferes" o "Piriquito" apareceu no Lué..." . O Piriquito era um dos padeiros da Companhia e que tambem havia participado na Operação.
O Piriquito contou depois o que lhe tinha acontecido: "Meu Alferes, quando chegamos ao lugar da recolha, deitei-me à sombra de um espinheiro e adormeci". "Quando acordei e vi que estava sózinho, olhei os sinais das rodas dos carros e comecei a correr no mesmo sentido". "Tinha corrido cerca de três kilómetros, quando vi que na picada e em sentido contrário ao meu, vinha uma manada de elefantes". "Apanhei cá um cagaço que larguei tudo menos a arma e comecei a correr em sentido contrário".
Foi a sua sorte, se não tivesse acontecido isso, teria de ter corrido 30 kilómetros até atingir o Quixico. Assim bastou-lhe correr 15 Kilómetros para chegar ao Lué.
As crianças e adultos recuperados foram instalados na povoação de Nambuangongo. Uma das crianças era filha de um conhecido Chefe da Guerrilha no Norte de Angola.
Umas semanas depois o Alferes e o resto da Companhia foram transferidos para o Sul de Angola para o merecido descanso, longe da guerrilha que caracterizava a zona dos Dembos.
Nota: trata-se da descrição exacta do que se passou numa operação realizada algures na Região de Nambuangongo, pelos 1º e 4º grupos de Combate da C. Caç 3482. A operação foi comandada pelos Alferes Abrantes e nela participaram tambem o Furriel Santos, o Furriel Almeida e o Furriel Soares.O camandante da secção de GE's chamava-se Geremias.
Os dois Grupos com a secção de GE's seriam cerca de 40 companheiros.
Para todos eles um grande abraço de saudade do Alferes Abrantes, 36 anos depois.....

3 comentários:

Oliveira, ex-Alf. Mil. disse...

Como é notório, o sucesso da operação deveu-se, em grande medida, à intervenção do 4º Grupo. E se alguma deficiência se verificou quanto à actuação deste Grupo (o 4º, repete-se) foi porque o seu Comandante não participou, tendo ficado no "arame" a implorar ao deus Ares a sua indispensável cobertura...

José Abrantes disse...

Para o Miranda...
Miranda, vi que deixaste um comentário confirmando que havias participado nesta operação. De facto assim foi. Foste um dos quarenta que a levamos a cabo.
Um abraço para ti.
JA

José Abrantes disse...

Para o Miranda...
Miranda, vi que deixaste um comentário confirmando que havias participado nesta operação. De facto assim foi. Foste um dos quarenta que a levamos a cabo.
Um abraço para ti.
JA